quinta-feira, 5 de junho de 2008

O pé-de-goiaba e o violão

O violão está presente na biografia de quase todo mundo. A diferença é que alguns diante dele se apaixonam, outros não. Eu me apaixonei pelo violão logo, antes dos 10 anos. E aquilo virou um vício mesmo.
Acho que há um marco na minha juventude. Antes e depois do violão. Eu antes de me apaixonar pelo violão era um contemplador profissional. Chegava da escola e ia direto para cima da casa. Subia pelo meu pé de goiaba favorito. Lá em cima, no galho mais alto, passava para o chamado capote do telhado. Lá eu deitava na sombra da goiabeira e passava a tarde toda olhando para as nuvens, vendo formas diversas no céu.
Na verdade eu não passava a tarde toda, porque minha mãe logo me chamava lá de baixo pra eu varrer o quintal ou coisa parecida. De qualquer forma, antes do violão eu era, vamos dizer assim, o poeta da goiabeira desenhando versos no céu azul de nuvens brancas enigmáticas.
Mas o violão, que é um instrumento muito sensual mesmo, suas curvas e formas, combinadas com o som suave de veludo marrom, parece ter sido feito propositadamente para seduzir. Me seduziu. Além disso, tem aquele negócio né, de que se tu aprende a tocar algumas músicas vira logo o famosos do quarteirão. Então, eu depois que ví pela primeira vez um, passei a perseguir o violão obsessivamente, e deixei um pouco de lado o meu pé de goiabeira favorito.
Lembro como se fosse hoje o dia em que na casa de minha vó, após uma festa regada a cachaça e violão, todos saíram no final do dia, e lá no fundo do quintal eu fiquei a sós com o violão. Olhei pra ele e disse a famosa frase: 'Em fim, sós'. Ponho ele no colo (eu ainda era muito pequenininho e não conseguia abarcá-lo completamente, mas deu). Bem devagar passei a mão na cintura, na boca, no braço, no tampão, nas cordas e comecei a dedilhar aleatoriamente os bordões. Aquele som me causava delírio e prazer quase sexual. Me entreguei definitivamente a paixão.
No outro dia infernizei minha mãe pra comprar um violão. 'Compra, compra, compra, por favor!'. Até que meu pai comprou. Foi o melhor dia da minha vida de menino, quando fomos até a loja escolher um. Chegamos lá havia centenas, cada um mais lindo que o outro. Entrei imediatamente em estado de êxtase profunda, não queria mais sair de lá. Mas, adequando o valor ao orçamento, meu pai escolheu um ideal com ajuda do vendedor. Foi um Gianini 18. Tinha capa e tudo. Pegamos o bicho e saímos. Eu todo orgulhoso da vida.
Daquele dia em diante, larguei de vez o telhado e a goiabeira. Quando chegava da escola ia direto pro quarto me agarrar com o violão. E passava a tarde toda. O problema era o meu irmão. Eu tinha que dividir o meu violão com ele, e ele ainda dizia que o meu violão era dele. 'Papai, papai, papai'. 'O violão é dos dois'. Tive que dividir. Mais o 'verme' era tão grande que a gente tinha que marcar hora pra tocar. Pode?
Uma vez, nós voltávamos da escola, com pressa pra pegar o violão primeiro, entramos no ônibus errado. Eu logo me apavorei com medo de me perder naquela gigantesca cidade que Fortaleza já era. Só tínhamos o dinheiro certo para uma passagem. 'Vamos descer, vamos descer', eu disse. Descemos por trás após informar ao trocador que não iríamos naquela viagem. Depois o meu irmão ficou curtindo com a minha cara de choro. Disse que eu tinha me apavorado e que o culpado havia sido eu. Chegamos em casa, ele cheio de moral, pegou o violão primeiro. Eu disse: 'não, agora sou eu'. 'Que nada, meu irmão, você é muito é chorão, cabeção', ele retrucou. Não tive saída. Fui direto pra goiabeira, deitei no telhado e fiquei desenhando nas nuvens até mais tarde, quer dizer, até minha mãe me chamar: 'Váaaaaalber, varrer o quintal!!!'.
Legal mesmo foi no dia que teve uma festa lá em casa. Era sábado. Os meus tios numa rodada disputando quem tocava melhor Roberto Carlos e a jovem guarda. 'Olha aqui, presta atenção...'. Eu só ouvindo, doido pra aprender uma musiquinha só. De repente chega um primo do interior (ele era de Ipueiras, a cidade de origem da família do meu pai). Rapaz, o cara pegou o violão e soltou o gó gó: 'Ehhh! Oôhhh! Vida de gado...'. Nunca eu havia presenciado aquele estilo. Ele cantava alto mesmo. Os meus tios cantavam assim meio João Gilberto, a voz pouquinha, baixinho, violãozinho e tal. Mas esse primo do interior impressionava qualquer um. Todo mundo lá no dia ficou elogiando o cara. Meu irmão disse que não gostou. Mas eu achei legal a diferença. No outro dia, tome aprender Zé Ramalho e música nordestina. Foi outra virada na minha carreira de fundo de quintal. 'Apenas apanhei na beira-mar, um táxi pra estação lunar...'. Ah! O meu sonho então passou a ser: subir com o violão na goiabeira e tocar uma música olhando pro azul do céu. “... e nesse dia branco, se branco ele for, esse tão grande amor, grande amor...”

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