quarta-feira, 7 de maio de 2008

Cabeção

Eu nasci às 8h da manhã no primeiro dia do equinócio da primavera de 1970. Era 23 de setembro e o Estado do Ceará atravessava mais um ano de seca e miséria no sertão semi-árido, agreste. O mundo ainda estava efervescente após os movimentos sociais e protestos de 1968. Em 1969 o homem havia pisado a lua. No Brasil estávamos em plena ditadura Geisel. E em Fortaleza o pintor acreano primitivista Chico da Silva pintava com carvão seus galos de briga enigmáticos e geniais nos muros da praia do Pirambu.
Sob o sol forte e escaldante litorâneo, que vi pela primeira vez logo cedo entrar pela janela da sala de parto, saí do hospital para sentir o aroma salgado “dos verdes mares bravios da minha terra natal”. Aqui estava eu, vivo e na terra, para iniciar minha aventura solitária e maravilhosa pela face da terra.
Mas não foi fácil nascer não. Como todo bom cearense da cabeça chata e grande, dei muito trabalho pra sair da barriga de minha mãe, e, diga-se de passagem, nasci de parto normal. Foi uma confusão pra puxar aquela cabeça. Tudo bem que os cearenses têm a cabeça grande, mas tenho que confessar que a minha já era, desde aquele dia que veio ao mundo, maior um pouco, um pouquinho só, digamos assim, do que a maioria.
Puxa de um lado, puxa do outro. Vai sair, vai sair. Minha mãe foi uma guerreira pra me dar a luz naquele dia. Eu seria o segundo filho dela. Ela já havia dado a luz a um menino e desejava uma menina agora (pra fazer o casal), mas veio um cabeção. E já saí de pinto duro mijando quem estivesse pela frente, como que quisesse dizer: “eu sou é macho negrada”. Pelo menos foi isso que me contaram. E eu acrescentei as entrelinhas. Só não dá pra dizer, como diz um tio meu, que lembro perfeitamente bem do dia em que nasci. Eu não lembro de tudo e por isso estas palavras que escrevo não são assim tão verdadeiras. Mas alguma vírgula é sim verdade. Também já faz tanto tempo que até quem estava lá já esqueceu. Talvez só a minha mãe não tenha, coitada.
Mas nasci. E com uma vontade enorme de mamar, de berrar, de crescer, de saber, de falar, de correr, de escrever, enfim, de viver.

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